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Atualizado em: 
ter, 23/07/2024 - 13:24


“Building blocks” versáteis, interoperáveis, de código aberto, e documentos compartilháveis suportados por IPDs bem-sucedidas despertaram o interesse dos brasileiros 

Aline de Queiroz Assunção, gerente da Divisão de Projetos e Demandas de Infraestrutura da Dataprev, que integrou a missão à ÌndiaO balanço feito pelos integrantes da missão técnica à Índia, coordenada pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), destacou elementos conceituais chaves, como a perspectiva “minimalista” e a atenção à interoperabilidade no desenvolvimento de sistemas, além do interesse na análise de algumas soluções para emissão e validação de documentos compartilháveis (saiba mais aqui). A missão levou a Bangalore, em junho, equipes do MGI, da Dataprev, do Serpro, do Ministério da Educação (MEC), da Fundação Lemann, da Prefeitura de Recife e do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb), com o objetivo de aprofundar estudos sobre o modelo indiano de Infraestrutura Pública Digital (IPD).
 
Na avaliação do coordenador da missão, Guilherme Almeida, diretor de Programa da Secretaria Extraordinária para a Transformação do Estado (SETE) do MGI, o que a Índia ensina e traz de novo é a adoção de três elementos fundamentais que se complementam: o minimalismo, a componentização e a interoperabilidade. Felipe Leão, gerente do Laboratório de Inovação (DILI) da Dataprev, que liderou o grupo da empresa na viagem, observa que essas características se articularam de forma exemplar no projeto do Aadhaar, a identidade digital indiana, adotada por cerca de 1,4 bilhão de habitantes do país e que serve de base para o desdobramento de muitas outras iniciativas no campo do digital.
 
Tecelãs do vilarejo de Salem, na Índia, com a equipe da missão“A experiência indiana demonstrou que a identificação inequívoca da sociedade é fundamental para assegurar direitos e combater fraudes; e ainda estabeleceu a base estruturante para os demais serviços”,afirma Leão. A identificação atua como pilar da economia e para conexão a outras ‘funcionalidades’, reforça Almeida. “Habilitando benefícios sociais que dependem de outros sistemas, serviços ou componentes, a identidade se torna um elemento da Infraestrutura Pública Digital (IPD) que provê serviços para governo e também para agentes não públicos, servindo para abrir conta em banco,contratar telefone etc.”
 
Para a diretora de Apoio à Gestão Educacional da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Anita Stefani, a Índia mostrou a viabilidade de avançar mesmo em grandes escalas. “O principal da missão foi conhecer com profundidade a estratégia indiana de IPD e entender que, se um país das dimensões e complexidade da Índia consegue fazer uma transformação digital tão profunda e estruturante, nós, no Brasil, também conseguimos. É um processo, não acontece da noite para o dia, mas é necessário e muito benéfico, porque trazemos ao cidadão serviços e políticas públicas com muito mais qualidade.
 
“A abordagem minimalista”, explica Almeida, “evita a complexidade de componentes da solução, de modo a permitir especialização e reutilização; componentização é trabalhar a partir de módulos interoperáveis,mais do que buscando sistemas gigantes e ultra complexos; e interoperabilidade significa ter especificações abertas para promover a interconexão e dar suporte aos desenhos minimalistas em que cada estrutura presta um ‘microsserviço’.” Na arquitetura indiana, esses módulos interoperáveis são os“building blocks” (blocos de montagem), que o diretor de Programa do MGI compara a peças de Lego ou aos quadradinhos de madeira pintada, usadas pelas crianças como pontes, telhados, relógios, tijolinhos, para criar castelos ou cidades inteiras. “A ideia é pensar cada política de governo, cada ação, com base na lógica de bloquinhos. Em vez de ter um serviço inteiro, gigantesco e monolítico, temos um módulo para a parte de dados georreferenciados, que poderia vir do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais); o módulo de identidade, do MGI; o bloquinho para pagamento de uma guia de algum ministério, de outra entidade, e assim por diante.”
 
Leão ressalta que o valor das funcionalidades de software dos building blocks está no fato de elas serem “agnósticas de domínio”. “Não importa se se trata de previdência social, saúde, educação, de um procedimento para tirar uma carteira de motorista, ou outra área de política. Em todos os casos, em todos esses domínios de atuação, é preciso identificar o cidadão e garantir que o tratamento dos dados pessoais dele seja feito de acordo com a LGPD.”
 
A escalabilidade das soluções construídas nesse modelo é outro requisito filosófico do modelo. “Busca-se construir o que funciona em escala, em vez de tentar dar escala ao que atende a um contexto específico; leva-se em conta a sustentabilidade financeira, a partir de lógica exponencial, e não da linear”, compara Almeida. Ganhar escala, por sua vez, completa Leão,contribui para fortalecer o projeto, torná-lo imprescindível, ou “too big to fail” (grande demais para que se permita que dê errado).
 
Ecossistema, ENGD e rede educacional
Outros aspectos assinalados pela missão foram a opção por padrões abertos e a abrangência do ecossistema de agentes sociais envolvidos nos projetos, responsáveis por atestar a confiabilidade, manter e dar resiliência aos sistemas. “A lógica de especialização e componentização se reflete nas diferentes organizações, com parcerias entre o Terceiro Setor e universidades, e com muitas e diferentes organizações não governamentais envolvidas na sustentação de soluções.” Entre essas ONGs, o diretor de Programa da SETE/MGI cita o Centre for Digital Public Infrastructure (CDPI), o Centre for Open Societal Systems (COSS) e a EkStep Foundation, que também apoiou os brasileiros da missão. Além disso, têm papel importante na Índia os financiadores internacionais, como a Fundação Bill & Melinda Gates, Norad, NilekaniPhilanthropies, Omidyar Network, a Fundação Rockefeller, a co-Develop. E, claro, junto com o dinheiro, destaca Almeida, “o patrocínio político e a percepção de valor das iniciativas por parte da sociedade e do setor privado, reconhecendo as infraestruturas que aumentam a efetividade de serviços públicos e diminuem custos do setor privado”.
 
De acordo com o diretor de Programa da SETE/MGI, o desenvolvimento em blocos “leves” e interoperáveis interessa sobretudo ao contexto da Carteira de Identidade Nacional (CIN) e da Estratégia Nacional de Governo Digital (ENGD)Link externo, lançada em junho para impulsionar a transformação digital no país. O Governo Federal pode contribuir com esses blocos de montagem, para que sejam integrados às bases municipais e estaduais, e a soluções que atendam a problemas locais. O serviço de implantação e manutenção desses módulos funcionais seria então prestado por organizações públicas ou privadas, de qualquer instância, explica Almeida.
 
Em um exemplo de interação entre instâncias diferentes de governo, o MEC, a partir do Sistema Gestão Presente, criado para o trâmite de documentos e informações na sua rede, estuda o desenvolvimento de uma IPD para a educação no Brasil. “A proposta é criar protocolos comuns de compartilhamento de dados educacionais entre diferentes escolas, públicas e privadas, entre estados e municípios e com governo federal”, conta Anita. “Queremos garantir o direito do estudante sobre sua trajetória: se muda de escola, de estado, se vai ao ensino técnico, a uma universidade pública ou privada, ele poderá ter acesso a todo o seu histórico escolar por meio uma IPD educacional única, construída pelo Governo Federal, mas que deve ser utilizada por todos que ofertam educação no Brasil.”
 
Essa IPD começou a ser erguida com os dados dos estudantes do Ensino Médio, e já contribuiu para o MEC fazer o pagamento das bolsas de permanência estudantil, o Programa Pé de Meia. A intenção, adianta Anita, é cobrir a Educação Fundamental e Infantil, integrando esses dados com o Ensino Superior, de modo a assegurar uniformidade, padronização e coerência nos dados educacionais em todo o território.
 
Na opinião de Leão, as experiências indianas indicam que, no caso brasileiro, o governo pode ter um papel central no desenvolvimento de tecnologias de base.  “Menos como criador de soluções específicas para problemas e mais para habilitar tecnologias que possam ser utilizadas pela sociedade, para tratar múltiplas demandas. Por exemplo, uma vez construído o Aadhaar, os indianos habilitaram a solução de pagamentos digitais, o UPI, em uma combinação que simplificou o acesso a benefícios e promoveu alta adesão da sociedade.”
 
Apesar do sucesso da transformação digital indiana, o país ainda enfrenta bolsões de exclusão tecnológica. A última etapa da viagem, conta o gerente do Laboratório de Inovação da Dataprev, foi no vilarejo de Salem, município rural do estado de Tamil Nadu, a quatro horas e meia de Bangalore, para ver o impacto da tecnologia na vida real de uma comunidade. Apoiada pela ONG Digital Empowerment Foundation (DEF), a iniciativa SoochnaPreneurs selecionou mulheres, numa estratégia deliberada de quebrar preconceitos de gêneros e casta, para capacitação técnica e criação de clusters de disseminação de conhecimento digital. Já a Digikharga é uma ação para integrar a tecelagem artesanal da região a ferramentas digitais e de comércio eletrônico, motivando novas gerações a darem continuidade à arte tradicional dos seus ancestrais.
 
“Talvez o principal ponto de aprendizado, quando falamos  de Infraestrutura Pública é que ela serve à sociedade, prioritariamente, e não apenas ao governo”, reforça Guilherme Almeida. “Esse é o pulo do gato. O PIX não foi só para pagar taxas; permite que cada vendedor, cada pessoa física, camelô, possa receber dinheiro sem custo adicional. Estamos pensando em soluções digitais não só para a relação entre cidadão e Estado, mas também que deem suporte às interações entre cidadão e empresa ou entre as empresas, barateando e simplificando processos, melhorando a vida em sociedade.”